terça-feira, 17 de julho de 2018

Psicanálise é autoconhecimento?


Texto de Vera Iaconelli na Folha de São Paulo, em 10/07/2018

"Em busca do autodesconhecimento"

Comecei minha análise no século passado com o firme propósito de dar um basta em meus sintomas, mas também com outras aspirações mais ambiciosas. Cheguei lá dizendo que, antes de tudo, buscava o autoconhecimento. Embora não o admitisse, no fundo acreditava que isso me levaria para além da massa alienada. O autoconhecimento me proporcionaria aquele olhar condescendente de quem não apenas tem domínio sobre quem é, como ainda saca tudo o que se passa com os outros ao redor.
O autoconhecimento parecia uma proposta mais empoderada e digna do que a ideia de me deitar no divã e de me reconhecer atônita e sofrendo. Eu era apenas uma adolescente apavorada com minhas descobertas sobre o amor, a sexualidade e a morte, sem saber a melhor maneira de lidar com o “tudo ao mesmo tempo agora” da vida adulta. Admirava pessoas que pareciam não ter dúvidas nunca. Mal podia esperar para me juntar ao rol dos sujeitos certos de si, que não titubeiam, descrevendo a si mesmos com precisão enciclopédica. Demorou para eu descobrir que a certeza absoluta é a marca da paranoia —temos exemplos célebres desse tipo de certeza em alguns candidatos que se oferecem para nos governar. 
É claro que ao longo da análise nos conhecemos mais e grandes embaraços são desfeitos a partir do momento que acessamos nossas reais motivações para comportamentos anacrônicos e renitentes. Essa é uma parte importante da história mas, honestamente, não é a mais interessante. Ao empreender uma análise podemos supor que vamos apenas em direção ao autoconhecimento —mantra de dez entre dez ofertas de terapias, coachings e outras formas de tentar controlar o universo com o poder da mente. Mas se dermos um passo à frente, iremos rumo ao autodesconhecimento.

Para a psicanálise, o outro, que nos assusta tanto —a ponto de fazermos muros e leis que nos protejam de sua suposta ameaça— está, antes de tudo, em nós mesmos. Somos nós mesmos a nos assombrar com o nosso autodesconhecimento. Por exemplo: tenho que trabalhar até tarde hoje de qualquer jeito, mesmo desejando tirar uma noite de folga. Mas eis que esqueço o computador no escritório com todo material que permitiria cumprir minha intenção manifesta. Posso me martirizar, voltar para buscar o computador e acabar o trabalho mesmo exausta; posso chorar e espernear. Mas se eu puder reconhecer que esse “outro em mim” deu uma solução para meu desejo de ter uma noite de descanso, ainda que eu volte para finalizar o trabalho, poderei tratar esse deslize como algo genuinamente meu a ser levado em conta. Com a dignidade de um gesto que diz de mim e de meus limites. Claro que os atos podem ser bem embaraçosos, como trocar nomes em momentos inacreditáveis ou amortecer uma depressão com o alcoolismo. Reconhecer nosso autodesconhecimento estrutural e insolúvel é o que há de mais libertador em uma análise. Mas reconhecer não é justificar. É assumir integralmente a responsabilidade por esse ato que emerge do desejo.
O curioso é que, ao dar ao gesto a dignidade de um desejo, que não pôde ser assumido até então, deixamos de ser vítimas das circunstâncias e passamos a ser sujeitos. A ética da psicanálise implica que cada um assuma o que fazer com suas mazelas e alegrias, não cabendo ao analista vestir a camisa da torcida organizada.
Se temos algo a conhecer sobre nós em análise é que seremos sempre desconhecidos para nós mesmos. Daí a possibilidade de se espantar, por vezes, e se encantar, por outras, com o que nunca saberemos de nós, levando uma vida tão empolgante quanto arriscada e sem chance de superioridade.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Grupo para parentes/cuidadores de pessoas com doenças degenerativas e incuráveis


Deparar-se com o adoecimento grave de alguém querido apresenta-se como um divisor de águas, sem volta. Os cuidados e o comprometimento com o ente querido não raras vezes isola o parente/cuidador de tal modo que ele deixa parte de sua existência fechando-se no papel de quem cuida. Neste papel, pouco espaço resta para se falar do próprio sofrimento. Daí a ideia da criação de um espaço de fala para os parentes/cuidadores de doenças degenerativas e incuráveis elaborarem suas perdas. 
Alguns temas a serem abordados:
- o que/ quem se perde com o adoecer;
- o que significa cuidar;
- os possíveis e o impossível diante da doença;
- quem sou eu a partir de todas as mudanças que o adoecimento e o luto trazem.

A proposta é de encontros semanais
- às quartas-feiras, às 20h, na Chácara Santo Antonio,  em São Paulo;
- aos sábados às 15h, na Vila Guiomar, em Santo André. 
Coordenação: Angelica Hoffler, psicanalista
Contatos: cel: 9 9471-4591 e e- mail: angelicahoffler@gmail.com

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Fazer análise é falar na primeira pessoa




FAZER ANÁLISE É FALAR NA PRIMEIRA PESSOA


A análise nos ensina, basicamente, a sermos protagonistas da própria história. A nos responsabilizar pelas nossas mazelas e encantos, paixões e tormentos; sem chicotes, sem asperezas insuportáveis: a análise nos ensina a tomar as rédeas, escutar o próprio desejo, pra depois dizer do próprio desejo, amar e viver, fora da plateia marcada pela impessoalidade e passividade.



Ontem fui pega desprevenida. E o mais incrível: por mim mesma. O inconsciente, este grande matuto que desbanca o eu no quesito "dono da própria casa", teve lá o seu tempinho semanal para aparecer, e em um dado momento, suspirei. Não de alívio, mas porque doía existir: "ser protagonista não é nada fácil".
Sobre isso, duas cenas me marcam. Uma é do filme "the holiday" (vulgo "o amor não tira férias", mas o tradutor sim. há.) Iris Simpkins, uma moça bonita que não sabe que é bonita, presa numa relação tóxica com um barba-azul (quem nunca?), em uma conversa com o personagem Arthur Abbott, escuta dele a seguinte frase: “Eu vejo que você é uma mulher protagonista, mas por algum motivo está agindo como a melhor amiga. Você deve ser a protagonista da sua própria vida!”. Bum. Hoje ficamos por aqui. A outra cena, que não é bem uma cena, mas um poema, é do Mia Couto: "Porque andei sempre sobre os meus pés, e doeu-me às vezes viver". Arthur Abbott sabe. Mia Couto sabe. Uma porção de gente talvez saiba. Eu descobri há pouco. Sempre é tempo!

Impossível desvencilhar a descoberta do processo analítico. Passei o resto do dia pensando nos efeitos de uma análise.
A análise nos ensina, basicamente, a sermos protagonistas da própria história. A nos responsabilizar pelas nossas mazelas e encantos, paixões e tormentos; sem chicotes, sem asperezas insuportáveis: a análise nos ensina a tomar as rédeas, escutar o próprio desejo, pra depois dizer do próprio desejo, amar e viver, fora da plateia marcada pela impessoalidade e passividade. É como se fosse uma auto escola, na medida em que nos ensina a conduzir, a nos conduzir, a andar sobre os nossos pés, mesmo que doa, a gastar a sola dos nossos sapatos e não apenas assistir à vida em uma televisão que sequer é nossa.
Não à toa que a plateia conta com o chamado "animador", que sinaliza quando devemos aplaudir, rir ou permanecer sentados, quietos. O/a protagonista é aquele/aquela que não obedece o "animador", ri, chora, senta ou levanta quando bem entender e incomoda, às vezes. É claro que tudo isso dentro de um respeito mínimo pelas regras sociais. Mas não é disso que estamos falando. Estamos falando de um "sentar e levantar quando bem entender" subjetivo, íntimo. E sentar e levantar quando bem se entende dói. O desejo cansa, li certa vez. E como. Porque é difícil viver com intensidade, ou em sintonia com a própria verdade. A maioria das pessoas só quer a mansidão, molhar os pés na superfície. É de se esperar, uma vez que é difícil, tem muita fala pra decorar, os textos são enormes e a gente nunca consegue burlar um ensaio. A vida é o próprio ensaio.
Começa-se uma análise pelos mais diversos motivos. Para se descobrir, para nascer... talvez pela primeira vez. Para dar voz ao inconsciente: este que não conhecemos, este que é "estranho, porém familiar", escreveu Freud. Este que nos assusta, assombra. Mas, o que assombra mesmo é deixá-lo nas sombras, à mercê de qualquer embarcação, com qualquer comandante ou animador de plateia.
Certa vez escrevi uma poesia sobre a escolha da análise, aqui vai uma parte dela:
"Eu decidi velejar.
dói.
mas esse barco quem toca sou eu.
quase sempre estou só, mas nesse barco quem manda sou eu."


No fim, estaremos gratos - próximos do que chamam de "felizes", talvez? - por poder assinar a própria biografia. Assinatura esta que se faz fazendo, gerundiando, com a tinta da caneta do próprio desespero, que se transforma em sofrimento, que se transforma em dificuldade, que se transforma em questão, que se transforma em "isto é meu". Que se transforma. Sempre. Sigamos, em busca do/da nossa protagonista perdida nos bastidores. Para que esse viver seja marcado, de alguma forma. Para que não seja em vão esse instante que é a vida.

Texto disponível em 
http://obviousmag.org/palavra_nossa_de_cada_dia/2015/07/fazer-analise-e-falar-na-primeira-pessoa.html. Acesso em 21 jan. 2016.

Postado por Angelica Hoffler, psicanalista.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Grupo de leitura e estudo-Freud e Lacan



Quando Freud nos finais do século XIX pediu as suas histéricas para que falassem tudo o que lhes viesse à cabeça, não apenas criou a regra de ouro da Psicanálise mas já introduzia algo que fundamenta o trabalho analítico, posteriormente traduzido por Lacan no famoso "o inconsciente é estruturado como linguagem".
A inscrição no campo da linguagem, o jogo entre falo e castração, as estruturas psíquicas, a transferência, a escuta e a intervenção do analista estão diretamente associadas. Assim como a direção da cura e a ética.
A proposta deste grupo é ler e estudar com o grupo textos de Freud e Lacan que percorrem estes três temas: linguagem, falo e castração, articulando com a clínica.
Os encontros acontecem a cada 15 dias:
Em São Paulo, às quartas-feiras, 18h, na rua Fernandes Moreira, 241, na Chácara Santo Antônio. O primeiro encontro será dia 9 de setembro.
Em Santo André, às sextas-feiras, às 15h, na rua Catequese, 1149, sala 84. O primeiro encontro será dia 11 de setembro.
Quem estiver interessado é só entrar em contato pelo cel: 99471-4591 ou pelo e-mail: angelicahoffler@gmail.com

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Reflexão sobre a agressão ao professores (Parana, 29 de abril de 2015?)

Angelica Hoffler
Psicanalista e professora
cel. 9 9471-4591
e-mail  angelicahoffler@gmail.com

O brutal ataque aos professores do Paraná no dia 29 de abril de 2015 escancarou, a quem quis ver, a agressão a que professores de todo o país se sentem submetidos no dia a dia.

A visibilidade dada aos professores, enquanto grupo, só é ocorre em data comemorativa (e comercial) ou quando saem às ruas em greve. Um professor é visto como aquele que ensina o filho de alguém, visto nas reuniões, quando o pai ou mãe comparece, ou quando lhe é pedido algum encontro para comunicado ou reclamação. Muitas vezes nem se sabe seu nome. É o professor de tal componente curricular. Nem tem identidade.
Aproximemos esse olhar sobre os professores. Pensemos primeiramente naqueles que saem às ruas em greve e em duas pautas sempre presentes em suas reivindicações: melhores salários e redução de alunos por turma. Sim, há nisso uma reivindicação por uma política pública voltada a uma educação mais efetiva. Mas também uma demanda voltada a um tipo de sofrimento. Baixo salário repercute diretamente na qualidade de vida do professor. Acumulando períodos para ter um salario que o sustente (e isso significa pagar as contas básicas, uma vez que quem escolhe ser professor já sabe que não ficará rico com isso!) se desdobra para conciliar família, preparo de aulas, correção de atividades, preenchimento de papéis. E o professor aprende a abrir mão. Por vezes, abre mão de tantas coisas que se perde a si mesmo. E sem saber onde está, como pode dar-se um lugar no papel que escolheu ter como educador? Outra demanda, a redução de alunos por turma, reverbera num excesso e numa falta. Excesso de alunos significa falta de singularidade. Ao reduzir o aluno a um número, como tratá-lo como sujeito? Entrando e saindo de 15 salas com 45 alunos por turma, todos os dias, como perceber as necessidades que cada aluno tem e auxiliá-los no processo educativo? O professor muitas vezes começa sua carreira achando que pode mudar o mundo (ok, há um impossível nesta fantasia) e logo se depara com um fracasso que o machuca, que o marca e que muitas vezes faz com que desista da profissão que escolheu.Ou faz com que adoeça. Professores que adoecem também sofreram uma agressão. Não a visível com bombas, gás lacrimogênio, spray de pimenta ou balas de borracha. Mas algo que os agrediu tão profundamente que marcou seu corpo ou seu psiquismo de forma indelével. Basta olhar as estatísticas de professores realocados na educação ou dos que largaram a sala de aula. 
Mas há outra faceta que não vem a público. A dos professores de escolas particulares. Estes sofrem silenciosamente. Não tem foto estampada nos jornais, nos noticiários. Seu nome aparece nos prontuários médicos e não entra nas estatísticas. Os professores das escolas particulares nem sempre enfrentam problemas com lotação de salas ou baixo salários (reforço: nem sempre). Mas são amarrados naquilo que os torna desejantes: tem que cumprir o programa, tem que dar avaliações assim ou assado, tem que trabalhar com apostilas desde o maternal (!!!!!!), tem que respeitar o aluno e fazer as vontades dos pais uma vez que "eles pagam seu salário". Tantas vezes se encontram entre o que o aluno quer, o que os pais pedem e o que o coordenador/ diretor manda. O que ele deseja fica sempre em último. Sente-se impotente, humilhado, fraco, triste. Como um um robô executa ordens. Mas sente e sofre como um humano. Até que o que sente arrebenta e explode. Na ficha do psiquiatra. 

As políticas públicas sempre se voltam para a "qualificação" do professor. Cursos de "reciclagem", para pontuação na carreira, são oferecidos de monte. E lá vai o professor fazer mais do mesmo. Mas quem olhar para um professor e vê nele alguém que sente, que tem conflitos e tem o direito de sofrer e falar do que o assola? Qual é o espaço dado para o professor SER humano nas escolas destes país? Sempre que se diz que o futuro da Educação está nas escolas, sinto mais peso colocado nas costas destas pessoas que escolheram educar. O professor, enquanto é visto como herói e isso que se espera dele, sofre como um ser humano. E precisa ser reconhecido em sua singularidade, não só como categoria.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Encontros de Psicanálise para Educadores


Prezado(as) colegas professores (as), 
Estive durante 25 anos ligada à Educação. Num dado momento, iniciei uma formação em Psicanálise. Hoje sou psicanalista, mas minha paixão com a educação se mantém. Como ao longo de minha jornada trabalhei em cursos de formação de professores, por vezes recebo um contato com pedido de socorro em função do dia a dia nas escolas e na relação com os alunos.
Como isso tem aparecido mais, decidi propor um convite  em forma de projeto. Isso quer dizer, que tenho uma proposta inicial, mas que ela pode mudar de acordo com a demanda daqueles que se interessarem. Tratam-se de encontros para se falar sobre Educação, com um viés psicanalítico. Sim, pode haver uma parte mais teórica, se assim for desejado, mas o que considero mais importante é que os professores tenham oportunidade de falar, sobretudo de como o que experienciam mobilizam emocionalmente em si.
Acredito que não existe possibilidade de educar sem afetar. E dependendo de como os afetos incidem no professor, este não suporta mais educar. E claro, o que significa educar para cada um que escolheu essa profissão?

Apresento-lhes minha disponibilidade de horários e aguardo sugestões de vocês. Se puderem, divulguem entre seus colegas.
Em Santo André, rua Catequese, 1149
2ª-feira: 10h
6ª-feira: 10h, 13h, 18h
Sábado: 9h
Na Chácara Santo Antonio, em São Paulo, Rua Fernandes Moreira, 241
3ª-feira: 17 h
4ª-feira: 10h, 14h


Encontros de Psicanálise para educadores
Ementa: Principais conceitos da psicanálise. Educação e psicanálise. Leitura de situações escolares pelo viés psicanalítico.
Objetivos:
·         Apresentar os principais conceitos da teoria psicanalítica a fim de proporcionar base de reflexão para situações escolares e prática educativa;
·         Refletir sobre a dinâmica da instituição escolar desenvolvendo capacidade de compreensão e atuação sobre ela;
·         Elaborar uma prática educativa mais consciente dos elementos envolvidos e mais coerente com o desejo subjetivo de ensinar.
Sugestão de assuntos a serem abordados:
·         Falta de “motivação” de alunos e professores;
·         A violência nas escolas e nas relações interpessoais;
·         Quais os papéis exercidos por diferentes membros em um grupo e como se dá a dinâmica do inconsciente em sala de aula;
·         Qual é o conteúdo que o professor passa?
·         A dinâmica das emoções e sua repercussão no grupo escolar;
·         A presença dos limites na educação e os limites da educação; Avaliação e autoridade.
·         O adoecimento do professor e a “falência” da educação;
·         Amparo e educação; a importância do olhar.

Contatos com Angelica Hoffler: cel: 9 9471-4591 e e-mail: angelicahoffler@gmail.com

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O idoso, o segurança e a Peste


Angelica Hoffler
Psicanalista
Cel: 9 9471-4591

Há uma anedota na história da Psicanálise que conta que quando o navio se aproximou dos EUA trazendo Freud para apresentar suas idéias na América, ele teria dito a Jung: Mal sabem que trazemos a Peste. Ser tocado pela Psicanálise é ser contaminado por esta peste, que muda o olhar sobre si mesmo e consequentemente sobre o outro.

Domingo, ao voltar para casa, fui testemunha de um evento que pode ser visto como uma metáfora política. Um senhor idoso estava sendo amparado por um homem, enquanto sua esposa, igualmente idosa e magrinha andava atônita de um lado para o outro.A segurança da estação foi chamada. Demorou para aparecer. Finalmente, quando um dos funcionários chegou, disse que não tinha o que fazer. O homem que ainda amparava o idoso identificou-se como policial e passou um sabão no segurança invocando protocolos de atendimento emergencial. Enquanto isso, outra transeunte ligou para o SAMU e começou a fotografar a situação. Outros que passavam se indignaram e discutiram com o segurança e este resolveu ajudar o senhor a descer as escadas escorado também no policial até uma cadeira de rodas. O supervisor da estação ouviu o caso e deu um número para reclamação. Não se dirigiu ao local. Preferiu ficar discutindo com outro passageiro que ouviu o relato do caso e se ofereceu como testemunha. Como estudante de Medicina estava indignado. O outro segurança que estava ao lado do supervisor tentava "defender" o colega. Mesmo só tendo presenciado a situação até o momento em que ele se dirigira até o senhor e não tendo visto a postura dele a partir daquele momento. 
Passados os ânimos, acudido o senhor, cada um dirigido-se para seu destino a Peste estava lá novamente.
Há um mal-estar que assola a civilização, diz Freud em um dos seus mais belos textos. Mal-estar que provém do mais difícil dos desafios que é viver com o outro. Outro que aponta limites, que não se aceita como objeto, que não atende a nossos desejos. É justamente quando nos damos conta da existência de um outro que vivenciamos o desamparo. E ele estava lá estampado no casal de velhinhos, pobres, adoecidos na estação de trem. 
Diante da impossibilidade de se encontrar asseguramento a quem atribuímos esta função, ou numa outra leitura, a quem foi atribuída esta função, instaura-se a raiva. 
E o amor que vinha como pedido reverte-se em ódio por não encontrar correspondência. E busca alvos. Alvos por vezes tão frágeis quanto os velhinhos pois também são tocados por um tanto de mal-estar.
É disso que trata a Psicanálise. Todos que viveram a cena, se envolveram ou não por ela sofrem de alguma forma. Embora os holofotes tenham lançado suas luzes no casal de velhinhos, cada um, naquele momento, foi tocado pelo mal-estar de uma forma diferente. Marca única que nos faz ser tão singulares ainda que num mesmo evento.